sábado, 13 de janeiro de 2007

O fim do Bairro de Paramos

O fim do Bairro de Paramos





Natacha Palma, Artur Machado

No passado dia 5 de Novembro, houve missa na Capela de S. João e de Senhora da Aparecida, no Bairro da Praia de Paramos, em Espinho, situada numa espécie de promontório frente ao mar, com pedras a servir-lhe de calço. Foi um dia de temporal. As palavras do pároco eram praticamente abafadas pelo som das ondas a bater contra as rochas, descalçando o edifício quase centenário. A capelinha abanava por todos os lados. "É desta", pensaram muitos.

A população do bairro, constituído por edifícios construídos clandestinamente em zona de domínio público marítimo, há muito que vive "habituada" a ter o mar a bater-lhe à porta. Não é por acaso que o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) prevê a retirada da povoação, onde vivem cerca de 500 pessoas.



E outra hipótese não é, para já, colocada. Segundo Veloso Gomes, especialista em Hidráulica e Defesa Costeira e coordenador dos estudos para a Estratégia Integrada de Gestão da Zona Costeira, não existe qualquer projecto para defesa daquela zona costeira. "Claro que se houvesse uma situação de emergência em que a população estivesse em risco iminente, algo teria de ser feito, mas a prioridade passa pela retirada da população", explicou.

O problema é que a comunidade não está pelos ajustes. Com raízes muito vincadas, não aceita com facilidade viver noutro local. Aliás, algumas das cerca de 40 pessoas que foram realojadas há sete anos pela Câmara de Espinho no complexo habitacional da Quinta de Paramos voltaram para o velho bairro.

Por outro lado, sabendo o risco que corre, a população há muito que reivindica por obras de defesa e até acredita que elas irão ser feitas. Américo Castro, presidente da Junta de Freguesia de Paramos, garantiu ao JN que tem indicações nesse sentido de que o POOC o prevê. "São seres humanos que ali vivem e enquanto não for encontrada uma solução viável para o seu realojamento há que fazer obras que os protejam dos ataques diários do mar", afirmou. "Se não for por nós, será pelo menos para defender a ETAR (construída em plena duna há cerca de 15 anos), que estão agora a ampliar", explicou um empresário local.

Mas não será bem assim. Segundo Veloso Gomes, a ETAR está defendida por um esporão a sul, além de que, há cerca de dez anos, foi construída uma duna artificial frente ao equipamento. Quanto à população, pouco ou nada existe a defendê-la. "E quando as ondas conseguirem finalmente abalroar a capela, a povoação, situada a uma cota mais baixa, vai ser invadida pelo mar", vaticinou Veloso Gomes.

Da parte da Câmara, o vice-presidente, Rolando de Sousa, admite que a questão é complexa e por isso mesmo só poderá ser resolvida através de um "desígnio nacional". "A Câmara não tem meios próprios para realojar toda aquela população", concluiu.

"O mar está-lhes no sangue"

O Bairro da praia de Paramos existe há cerca de um século, altura em que pescadores de Ovar ali construíram palheiros onde guardavam o gado que arrastava as redes de pesca depois da faina realizada ali ao largo. Com o tempo, os pescadores instalaram-se de vez no local, construindo novos palheiros. Os palheiros deram lugar a casas de madeira que, mais tarde, há cerca de 80 anos, foram "forradas" a tijolo e as tábuas retiradas. "As pessoas que lá vivem são, na maioria, descendentes dos primeiros pescadores, transformando aquela comunidade numa grande família", explicou Américo Castro. "Não é por acaso que não querem sair de lá. O mar está-lhes no sangue e nunca poderão ser afastados dele. Qualquer solução que tenha se ser encontrada para os realojar, tem de ser perto da praia, a não mais de 500, 600 metros, ou nunca será possível convencê-los a sair dali", concluiu o autarca

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