sábado, 27 de fevereiro de 2021

Casas guardas de passagem de nível em Granja



Casas guardas de passagem de nível em Granja 



























Guardas de passagem de nível, profissão em vias de extinção



No entanto, aos 55 anos, poderá estar na iminência de ter de mudar de vida, devido ao programa, em curso, de supressão de passagens de nível.


Segundo dados, hoje avançados à Infraestruturas de Portugal, há em Portugal 1.297 passagens de nível, das quais apenas 97 com guarda, onde trabalham 240 vigilantes.

"Sempre julguei que tinha trabalho aqui até à minha reforma, mas parece que vou mesmo ter que mudar de vida. Só lhe digo que, no dia em que isto fechar, vou sentir uma grande tristeza",  Ana Sousa.

Natural de Ruílhe, Braga, a cinquentenária foi vigilante no ramal bracarense, até há cerca de quatro anos, altura em que, na sequência da electrificação da linha e consequente eliminação das passagens de nível 

Ali, o último comboio passa, "se for à tabela", às 22:35, após o que Ana Sousa aguarda pacientemente pelo primeiro comboio da manhã do dia seguinte, cerca das 11:00.

Entre os dois comboios, "embarca" rumo a casa, onde permanece escassas horas.

"Ás 11:00, já volto para cá outra vez. É assim a vida, custa um bocadinho, mas o que é que se há-de fazer?", afirma, resignada.

A vigilante confessa que gosta do que faz e refere, com orgulho, que com ela ao serviço nunca houve qualquer acidente.

"Mas ninguém está livre", admite, sublinhando a "grande responsabilidade" que tem sobre os ombros.

O regulamento, segundo diz, manda-a fechar as cancelas 10 minutos antes da passagem de um comboio, uma situação que, por vezes, exaspera os automobilistas menos pacientes.

No entanto, garante, "são cada vez menos as apitadelas" de protesto com que é brindada.

O comboio aproxima-se, Ana Sousa mostra ao maquinista a bandeira vermelha e reabre as cancelas, refugiando-se depois na casa da guarda ou no característico contentor azul, onde costuma matar o tempo.

"Fico ali sem fazer nada, até ser avisada da partida do próximo comboio, altura em que retomo todo o ritual", diz.

Nas duas passagens com guarda de Mazarefes trabalha também Maria Olívia Franco, 49 anos, 20 dos quais a zelar pela segurança de quem atravessa uma via, em que a prioridade é sempre do comboio.

Já trabalhou em Coimbra, onde os comboios passavam a toda a hora e momento, o que, por vezes, obrigava a que as cancelas se mantivessem fechadas, consecutivamente, 45 minutos.

Esses tempos de solidão e de saudade da família, que vive em Vila Praia de Âncora, Caminha, foram agora atenuados, dado que agora está muito mais perto de casa.

Maria Olívia Franco tem ainda a companhia do marido, por este "infelizmente" estar desempregado.

Duas de conversa e agulha na mão, a fazer renda ou malha, são os meios que encontra para vencer o tédio e "fintar" o lento passar das horas.

Maria Olívia também nunca "participou" em nenhum acidente, mas "recorda muito bem" o dia em que, em inícios de Março de 2006, chegou ao seu posto de trabalho e encontrou uma colega em estado de choque, porque esta se esqueceu de fechar as cancelas e um carro acabou por ser violentamente colhido por um comboio.

Por milagre, as duas pessoas que iam na viatura ainda conseguiram fugir a tempo, mas a guarda da passagem de nível ficou quatro meses em casa, sem coragem, para voltar a enfrentar um só dia de trabalho.

Antes disso, em 24 de Abril de 2005, numa passagem de nível com guarda, em Darque, Viana do Castelo, a vigilante confundiu os horários, esqueceu-se de fechar as cancelas e um comboio abalroou uma viatura, matando um casal e causando ferimentos graves no filho.

No dia seguinte, essa passagem de nível foi definitivamente encerrada.

Em finais de 1996, existiam 3.295 passagens de nível em Portugal, mas a Infraestruturas de Portugal , criada no ano seguinte, desenvolveu uma "intensa e concertada" actividade para acabar com aquelas "ratoeiras".

Em finais de 2006, as passagens já eram apenas 1.297, das quais 398 automáticas, ou seja, com sinalização sonora e luminosa e a grande maioria (371) com meias barreiras.

Passagens sem guarda eram 492 e com guarda 97, havendo ainda 174 passagens para peões e 136 particulares.

"A eliminação das passagens de nível contribui de forma decisiva para solucionar os problemas de segurança relacionados com o caminho-de-ferro e simultaneamente criar condições para que este meio de transporte aumente a fiabilidade e reduza progressivamente os tempos reais de deslocação", sustentou a governante.

Ana Sousa, Maria Olívia e as restantes 238 guardas de passagens de nível portuguesas têm consciência de que esta é uma profissão com os dias contados.

No entanto, não querem sequer pensar no dia em que serão obrigadas a abandonar o ofício a que dedicaram uma vida inteira.

E porque o próximo comboio está a chegar, a prioridade é "dar corda" às mãos calejadas, para arrastar, a tempo e horas, as típicas e pesadas cancelas vermelhas e brancas.

Estas, cada vez mais raras, continuam a cumprir o seu papel de salva-vidas.

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