Mirante ferroviário a demolir em Gaia é "dos melhores exemplares no país"
O historiador de Arte Francisco Queiroz alertou hoje que o mirante ferroviário da Madalena, em Gaia, cuja demolição está prevista no âmbito de obras Linha do Norte, é "dos melhores exemplares no país" e "paradigmático" de uma época.
Segundo o doutorado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e estudioso da matéria, o mirante do século XIX que deverá ser demolido este mês, junto ao apeadeiro da Madalena, em Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), é "um exemplo paradigmático de uma tipologia de arquitetura específica de uma época".
"Teve uma época áurea que durou 30/40 anos, não mais do que isso, e que depois se extinguiu completamente: a dos mirantes ferroviários", contou hoje à Lusa o autor do artigo "Os mirantes e a persistência de uma arquitectura revivalista em Vila Nova de Gaia no início do século XX", de 2002.
Para Francisco Queiroz, o mirante, que atualmente está ao abandono, "insere-se num fenómeno tardo-romântico de mirantes ferroviários, sendo o da Madalena seguramente dos melhores exemplares no país", escreveu hoje no Facebook.
Em causa está um mirante do século XIX sito na Quinta do Vale, na Madalena, cuja demolição está prevista no projeto de modernização do troço da Linha do Norte entre Espinho e Gaia, para a construção de uma passagem superior pedonal, no âmbito do programa Ferrovia 2020.
"Trata-se de um mirante de estilo revivalista, com aspeto de torre castelã, aqui construído posteriormente à construção da linha ferroviária (1864/65), para que dele se pudesse contemplar a passagem dos comboios", pode ler-se no estudo consultado pela Lusa.
Numa publicação feita na quarta-feira na rede social Facebook, o historiador contestou que o mirante tenha "um valor patrimonial reduzido", como é referido no Estudo do Património Arqueológico e Arquitetónico da passagem superior pedonal, consultado pela Lusa e noticiado na terça-feira.
Segundo Francisco Queiroz, "acresce ainda que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, por decaimento, por mutilação, ou mesmo por demolição (nomeadamente devido a sucessivas obras de modernização e/ou duplicação de vias férreas), alguns dos – já de si poucos – exemplares de mirantes ferroviários no país deixaram de existir".
À Lusa, o historiador de Arte acerescentou que a quinta em causa "ainda por cima, é um exemplo paradigmático, porque tem dois mirantes", outro mais a sul que foi recentemente restaurado, "o que significa que há ali um reconhecimento da importância da estrutura".
"Os mirantes ali, por um lado, correspondem a um gosto romântico - portanto, do estar a ver, do ver as vistas, do ver e ser visto - e ao mesmo tempo associado aos transportes", refere.
No caso do mirante cuja demolição está prevista, "está na esquina porque está no sítio onde o caminho de ferro faz o cruzamento com a antiga estrada que vinha do Porto", pelo que "todas as pessoas passavam por ali, e era uma forma de também de tornar a quinta visível".
Francisco Queiroz enquadra ainda a existência dos dois mirantes na Madalena com a existência de mais estruturas arquitetónicas do género, sobretudo em Vila Nova de Gaia, como por exemplo na Quinta dos Castelos, em Coimbrões, sendo "os dois exemplos mais interessantes" que conhece.
O historiador contestou ainda a necessidade de demolição do mirante para a construção de uma passagem superior.
"Não é necessário estar a demolir aquilo.
Qual é a lógica?
A passagem pode ficar mais a sul, mas se ficar mais a sul obviamente que o mirante fica ali isolado e talvez seja por isso que a IP entenda que aquilo pode ser demolido", disse o historiador hoje à Lusa.
O mirante ferroviário será demolido este mês, disse à Lusa na quarta-feira a Infraestruturas de Portugal (IP), justificando a operação com questões de segurança de "pessoas e bens".
O mirante "apresenta um deficiente estado de conservação constituindo um risco para a segurança para pessoas e bens, razão pela qual foi definida a sua demolição", disse fonte oficial da IP, acrescentando que os trabalhos de demolição devem ocorrer este mês.
FONTE : Lusa/Fim
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