quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Peixeira de Espinho - "É do nosso mar! É peixe do nosso mar!".

 



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Venda de peixe nas ruas de Espinho ainda é tradição



"É do nosso mar! 


É peixe do nosso mar!". 

O pregão ecoa pela rua e quase ninguém lhe fica indifente. 

Debaixo de um sol impiedoso, Maria da Assunção, a cara sulcada pelas rugas que as agruras da vida lhe foram emprestando ao longo de 67 anos, espera apenas por mais dois ou três clientes para esvaziar o carrinho em madeira com o peixe que de manhãzinha bem cedo foi buscar à praia.

 Cada prato, aí com um quarteirão de carapaus, custa duzentos escudos. 

"O meu marido costuma ir ao Furadouro, mas hoje vim cá comprar.

 Foi tirado há bocado do mar", comenta uma compradora, indiferente às lojas que o mercado municipal, a poucas dezenas de metros, ainda expõe para a Rua 23, em Espinho. 

Apesar das condições de higiene não serem as mais recomendáveis - o peixe pode estar longas horas exposto ao sol - e de o lucro não ser chorudo, o negócio lá vai dando para sobreviver a um dia-a-dia amarrado às magras reformas.

Olhadas como figuras típicas e íntimas da cidade, as varinas vendem na rua praticamente desde crianças e o seu pregão continua tão familiar como outrora. 

"Vender peixe com uma canastra na rua é uma tradição vareira. 

Há um barco que chega, as pessoas pegam no peixe e sobem as ruas a apregoar. 

A arte xávega e o leilão do peixe à borda de água fazem parte da tradição", explica Fernando Rocha, vereador do pelouro dos Mercados e Feiras da Câmara de Espinho, que faz questão de lembrar a proibição de venda ambulante na cidade e da responsabilidade da polícia na fiscalização deste comércio.

A delegada de saúde do concelho de Espinho, Maria Manuel Santiago, reforça esta ideia, mas condescende com as varinas, "por se tratar de pessoas com poucos recursos, daí raramente se chegar à autuação".

 "Como é pouca quantidade de peixe, rapidamente é vendido e não estará muito tempo ao calor e ao sol.

 Não quer dizer que esteja nas melhores condições. 

Comprar peixe nessas condições apresenta um risco acrescido, mas até agora não temos tido conhecimento de queixas de intoxicações devido à fraca qualidade do peixe", diz esta responsável, que lamenta não dispor de mais meios de fiscalização.

Apesar deste olhar compreensivo, as autoridades não são olhadas com muito bons olhos por quem vende na rua:

 "Está ali um mercado que não presta para nada. 

A câmara não pinta, nem caia, nem nada. 

Só serve para levar o povo aos passeios, a comer e a beber", protesta Maria da Assunção, que, mesmo assim, lá vai lamentando não ter dinheiro para pagar o aluguer exigido. 

"[Ante]Ontem, estive aqui e ganhei três contos. 

Com os 36 de reforma, tenho de pagar água, luz, telefone... não dá para nada".

Descontente com a autarquia, mas por motivos distintos, está Irene Moreira, uma das três proprietárias de um dos estabelecimentos do mercado. 

"A câmara não quer saber. 

Até parece que dizem à polícia para não mexer com as peixeiras. 

E depois há quem diga que o peixe com areia tem tradição, que é fresquinho, que é da rua... mas muitas vezes elas metem barrete".

Há 54 anos a vender na rua, Maria Brandão não sabe o que há-de fazer se um dia a proibirem de levar o seu carrinho cidade fora a anunciar o seu "peixe fresco do nosso mar". 

"Sempre vendi nas ruas de Espinho, nunca pensei em ir para uma loja porque não tenho dinheiro para isso. 

Com mil escudos para a sopa já estamos satisfeitas".

 Para esta mulher de cabelos brancos e mãos rudes, um dos grandes problemas é quase só trabalhar de Verão. 

E de Inverno?

 A resposta veio com um encolher de ombros:

 "Às vezes, o dinheiro não chega...

"Construído em 1911, o Mercado Municipal de Espinho quase nunca sofreu obras de remodelação, mesmo fazendo parte do Plano Director Municipal e do Património de Memórias da Cidade de Espinho.

  Uma das poucas excepções foi a operação levada a cabo há cerca de dez anos, quando a autarquia mandou fazer novos portões, tendo sido notório o esforço para respeitar os originais - simples, sem quaisquer motivos. 

Agora, tudo indica que os comerciantes vão poder, dentro de cerca de um ano e meio, trabalhar num novo edifício, que terá um piso extra destinado a oito espaços para estabelecimentos de restauração (isso obrigará à construção de uma cobertura).

 No piso térreo, continuarão as tradicionais lojas de venda de produtos alimentares e de plantas, com a novidade de as peixarias deixarem de ser viradas para a rua, conforme se verifica actualmente. 

A decoração do mercado procurará fazer um apelo à simplicidade, com azulejos brancos nas paredes e uma calçada portuguesa.


FONTE : Público

Mário Barros